terça-feira, março 21, 2006

Dia Internacional da Poesia

Não podia deixar passar este dia, que representa um dos meus passatempos preferidos sem fazer referência aos meus três poetas preferidos e ao seu génio, deixando um poema de cada um deles. Eis os grandes mestres: Fernando Pessoa, Eugénio de Andrade e Al Berto.

Pequena elegia de Setembro

Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

Estás sentada no jardim,
as mão no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de Setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas olhar mais as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

Eugénio de Andrade


Olhando o mar, sonho sem ter de quê

Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?

Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.

As árvores longínquas da floresta
Parecem, por longínquas, estar em festa.
Quanto acontece porque se não vê!
Mas do que há pouco ou não há o mesmo resta.

Se tive amores? Já não sei se os tive.
Quem ontem fui já hoje em mim não vive.
Bebe, que tudo é líquido e embriaga,
E a vida morre enquanto o ser revive.

Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser
Motivos coloridos de morrer?
Mas colhe rosas. Porque não colhê-las
Se te agrada e tudo é deixar de o haver?

Fernando Pessoa

Recado

Ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina possas recolher
alimento suficiente para a tua morte.

Vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite.

Deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o Outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me.

Que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá o etéreo visitante desta noite.

Não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço.

Al Berto

4 comentários:

Zeca Mieiro disse...

São belas poesias que lembram toda a beleza que ainda existe no homem... Se todas as pessoas sentissem a beleza da poesia no seu coração tudo seria diferente!:)

Anónimo disse...

essa é uma grande verdade

Aline disse...

temos de continuar a caminhar pela poesia adentro.........lol....agora a sério...tenx razao, devemos sempre comemorar o dia dedicado á poesia, a chave da expressão dos sentimentos e otros mais.

Anónimo disse...

"sonhamos e sonhamos e sonhamo"...Fernando Pessoa, esse génio do pensar e também o meu poeta favorito. Podem tirar-nos tudo mas nunca a capacidade de sonhar. Mesmo no canto mais escuro, no abismo mais profundo é possível sonhar e habitar mundos idealizados por nós e só para nós.